Nova Lei Cambial e dos Capitais Internacionais entra em vigor: o que muda?
Em 31 de dezembro de 2022, a Lei nº 14.286 entrou em vigor. Essa lei visa modernizar, simplificar e garantir maior segurança e estabilidade jurídica para o mercado de câmbio no Brasil, capital brasileiro no exterior e capital estrangeiro no país, além de modernizar a prestação de informações acerca dessas transações ao Banco Central (Nova Lei Cambial e dos Capitais Internacionais), seguindo os melhores padrões e práticas internacionais para, inclusive, inserir o Brasil na economia globalizada.
Durante o ano de 2022, o Banco Central dedicou-se a revisar a regulamentação infralegal existente e adaptá-la à nova lei sobre o mercado de câmbio e dinheiro estrangeiro. Além dos três editais de consulta pública para receber contribuições da sociedade e para a divulgação das minutas dos novos atos normativos, os representantes da instituição participaram de diversos eventos, em que apresentaram propostas e esclareceram dúvidas.
Embora tenha sido um avanço, alguns assuntos importantes não foram discutidos ainda, com previsão de abordagem apenas em 2023. Entre as temáticas em questão, estão incluídas o aperfeiçoamento do mercado entre bancos, a definição de casos em que a compensação privada de créditos será permitida e a reavaliação das normas sobre o dinheiro estrangeiro investido no Brasil. Algumas mudanças serão graduais, lentas e transitórias, para que haja a garantia de maior segurança e eficiência, principalmente em função das tecnologias envolvidas nos sistemas do Banco Central (tendo em vista os desenvolvimentos, ajustes, atualizações, etc.).
A primeira regulamentação da Nova Lei Cambial e dos Capitais Internacionais resultou em oito normativas publicadas pelo Conselho Monetário Nacional (CNM) e pelo Banco Central nos últimos meses, cujos principais aspectos serão detalhados abaixo.
Resolução CMN n° 5.042, de 25.11.2022: princípios e diretrizes do mercado de câmbio
A primeira normativa baseia-se em princípios, definindo aqueles que devem guiar o mercado de câmbio e as diretrizes para que as operações cambiais sejam realizadas, para ingresso ou saída de reais do país, por meio de instituição autorizada a operar no mercado de câmbio.
O texto também reafirma a disposição de que as instituições autorizadas pelo Banco Central podem investir e utilizar os recursos captados tanto no Brasil, quanto no exterior, desde que a legislação seja seguida. O normativo revoga as antigas regulamentações sobre esse assunto, como a Circular nº 24 de 1966 e a Resolução nº 4.004 de 2011.
A nova lei destaca, ainda, que instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio devem manter relacionamento financeiro apenas com instituições financeiras autorizadas, reguladas e supervisionadas financeiramente no seu país de origem.
Resolução CMN n° 5.056, de 15.12.2022: encargo financeiro no cancelamento ou baixa do adiantamento sobre operação de câmbio
Esse normativo regulamenta o art. 7º da Nova Lei Cambial e dos Capitais Internacionais, o qual determina que o vendedor de moeda estrangeira pague taxas ao Banco Central caso cancele ou diminua a posição de câmbio em um contrato de compra de moeda estrangeira antecipado em reais.
A nova resolução mantém a regra de cálculo atual, usando a Libor como taxa de juros internacional de referência, evidenciando que o valor para o encargo financeiro é o valor em reais adiantado. Além disso, caso o cancelamento ou baixa seja de até US$ 5.000,00 (ou o seu equivalente em outra moeda), o encargo financeiro continuará dispensado, desde que não represente mais de 10% do valor total da compra de moeda estrangeira. Também não será necessário o pagamento de encargos financeiros caso ocorra o cancelamento ou baixa da compra de moeda estrangeira referente à exportação com a mercadoria embarcada ou o serviço prestado.
Resolução BCB n° 277, de 31.12.2022: mercado de câmbio
Trata-se de uma lei extremamente importante, que regulamenta o mercado de câmbio no Brasil, disciplinando o ingresso e saída de valores em reais e em moeda estrangeira, substituindo as leis antigas que já estavam em vigor, em especial as Circulares 3.691 e 3.690 de 16.12.2013.
Aqui estão os pontos principais dessa nova lei:
I - permite que as operações de câmbio sejam realizadas de forma mais flexível, sem a necessidade de um formato específico de contrato e sem exigências excessivas. A partir da implementação da lei, a instituição financeira autorizada a operar no mercado de câmbio precisa apenas comprovar para o Banco Central que o cliente está de acordo com as condições acordadas, sendo estabelecidas na regulamentação as informações que devem ser incluídas na operação de câmbio e enviadas ao regulador;
II - possibilita que as instituições financeiras decidam seus próprios critérios para comprovar as operações cambiais, considerando o cliente e as características da operação. Caso a instituição financeira necessite de documentação extra, será preciso guardá-la por pelo menos 10 anos após a operação de câmbio ter sido concluída ou cancelada;
III - O processo de indicação das finalidades das operações cambiais foi simplificado e racionalizado, possibilitando que o próprio cliente faça isso. Em resumo:
operações cambiais até US$ 50 mil ou o equivalente em outra moeda, que não estejam sujeitas a registro no Banco Central, devem ser classificadas pelo cliente com base em 10 códigos genéricos;
para operações cambiais com valores acima de US$50mil ou o equivalente em outra moeda, foram mantidos os mesmos códigos, com algumas novidades como códigos específicos para ativos virtuais, jogos/apostas, reembolso de despesas e cessão de crédito. Em função dos ajustes nos sistemas do Banco Central, a previsão é que apenas em 1º de novembro de 2023 haja uma redução dos códigos já existentes pela metade;
alguns códigos específicos permaneceram, independentemente do valor, para operações como eFX, transferências postais, interbancário, etc.; e
obrigatoriedade das instituições autorizadas a operarem no mercado de câmbio em auxiliar o cliente, oferecendo orientações e suporte técnico, incluindo o meio virtual, para classificar corretamente a finalidade. O Banco Central publicou novas atas auxiliares para ajudar na classificação das operações cambiais.
IV - Equipara os requisitos de abertura, manutenção e movimentação das contas em reais de não residentes e de residentes, com algumas exceções, que incluem:
abertura e manutenção em instituição autorizada a operar no mercado de câmbio;
limite de R$ 100 mil por movimentação nos casos de conta pré-paga em reais;
Prestação de informações sobre valores movimentados por embaixadas e organismos internacionais; e
Restrições na movimentação de interesses de terceiros em contas de instituições não residentes, situação em que há a necessidade de avaliação da documentação e prestação de informações ao Banco Central.
V - Permissão para que as instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio enviem informações sobre operações cambiais de até US$50 mil para o Banco Central até o dia 5 do mês subsequente ao da sua realização. Demais operações devem ter o envio de suas informações efetuado no mesmo dia da sua realização.
Resolução BCB n° 278, de 31.12.2022: capital estrangeiro no País, nas operações de crédito externo e de investimento estrangeiro direto
Esse normativo regula questões sobre o capital estrangeiro no Brasil nas operações de crédito externo e investimento estrangeiro direto, cujos principais aspectos são:
I - O regime de registro de capital estrangeiro agora é chamado de informação ao Banco Central, sendo aplicável apenas a algumas operações dessas modalidades, considerando seus valores e características, quais sejam:
crédito externo superior a US$ 1 milhão;
financiamento de importações de bens ou serviços acima de US$ 500 mil, com prazo de pagamento maior que 180 dias;
recebimento antecipado de exportações e arrendamento mercantil financeiro externo acima de US$ 1 milhão com prazo de pagamento maior que 360 dias; e
investimento estrangeiro direto com movimentação acima de US$ 100 mil.
II - A restrição ao envio de dinheiro para o exterior para pagamentos de principal e juros nas operações de crédito externo sem entrada de recursos no país acabou, porém, agora é necessário informar ao Banco Central sobre essas operações dentro de determinados critérios;
III - Não é mais preciso informar ao Banco Central sobre contratos entre residentes e não residentes relacionados ao uso ou cessão de patentes, marcas de indústria ou comércio, fornecimento de tecnologia, pagamentos por royalties, serviços técnicos, arrendamento mercantil externo ou aluguel e afretamento;
IV - A partir de agora, os censos de capital estrangeiro, declarações financeiras trimestrais e os outros quadros societários anuais serão chamados de "Declarações Periódicas" e precisarão ser entregues a cada 3, 12 ou 60 meses, dependendo do tamanho dos ativos da empresa que recebeu os investimentos estrangeiros; e
V - A partir de 1º de novembro de 2023, as operações simultâneas de câmbio não serão mais necessárias, como anteriormente era exigido para casos como a renovação de empréstimos externos ou a conversão de crédito externo em investimento estrangeiro. Até lá, vigorará um regime de transição que ainda exigirá as operações simultâneas nessas hipóteses, de acordo com a Resolução BCB nº 281.
O novo regulamento revoga outras regras antigas sobre o assunto, incluindo a Resolução nº 3.844 de 23 de março de 2010 e parte da Circular nº 3.689 (art. 18 ao 107) de 16 de dezembro de 2013.
Lembrando que, como ressaltado anteriormente, o tratamento de capital estrangeiro em forma de investimento em portfólio continuará regido pelas normas já existentes, incluindo a necessidade de registro.
Resolução BCB n° 279, de 31.12.2022: capital brasileiro no exterior
A resolução BCB nº 279 dispõe sobre fluxos, estoques e prestação de informações de capitais brasileiros no exterior, entendidos como valores os bens, direitos e outros ativos mantidos por residentes fora do Brasil. Aqui estão os pontos principais:
I - as regras atuais de declaração de capitais brasileiros no exterior permanecem as mesmas, a saber:
declaração anual, com data-base em 31 de dezembro, obrigatória quando os capitais brasileiros totalizarem quantia igual ou superior a US$ 1 milhão ou equivalente em outra moeda; e
declaração trimestral, com data-base em 31 de março, 30 de junho e 30 de setembro, obrigatória quando o valor dos capitais brasileiros for igual ou superior a US$ 100 milhões ou equivalente em outra moeda.
II - equiparação a capital brasileiro no exterior de financiamentos, empréstimos diretos e créditos comerciais concedidos no Brasil a não residentes; e
III - possibilidade de investir o capital em qualquer modalidade regularmente praticada no mercado internacional, incluindo derivativos, desde que as leis necessárias sejam seguidas e a base seja a fundamentação econômica.
Com essa Resolução, são revogados os normativos antigos sobre esse tema, como a Resolução nº 3.854, de 27.5.2010, a Circular nº 3.624, de 6.2.2013 e parte da Circular 3.689, de 16.12.2013 (art. 1° ao 17).
Resolução BCB n° 280, de 31.12.2022: definição de residente não-residente
Esse normativo estabelece as definições de residente e não-residente a serem aplicadas para pessoas físicas e jurídicas.
Essas definições devem ser consideradas tanto para regras do mercado de câmbio, como para a regulamentação de outros assuntos abordados pela lei cambial, como o capital estrangeiro no Brasil e a prestação de informações ao Banco Central.
Os critérios utilizados pelo Banco Central não são totalmente idênticos aos adotados pela Receita Federal, fazendo com que as diferenças sejam pontos de atenção a serem considerados pelos participantes do mercado.
Resolução BCB n° 281, de 31.12.2022: disposições transitórias relativas ao capital estrangeiro no País, nas operações de crédito externo e de investimento estrangeiro direto
Como mencionado anteriormente, tendo em vista a complexidade na mudança do sistema de algumas previsões da nova regulamentação sobre o capital estrangeiro em diferentes formas, optou-se pela manutenção — em caráter transitório — de alguns procedimentos atualmente em vigor:
I - realização de operações de câmbio simultaneamente nos casos de:
conversão de haveres no país de não residentes em capital estrangeiro, sujeito ao fornecimento de informações ao BCB;
transferência entre diferentes formas de capital estrangeiro, que precisam prestar informações ao Banco Central;
repactuação e assunção de operação de crédito externo; e
realização de investimentos através de conferência internacional de ações ou outros ativos; e
II - necessidade de informar no sistema de informações disponibilizado pelo Banco Central, dentro de 30 dias a partir da data do evento, as atualizações do patrimônio líquido, do capital social da empresa que recebe o investimento e do percentual de capital investido pelo investidor estrangeiro, bem como sobre quaisquer movimentações subsequentes.
Tais regras transitórias devem permanecer em vigor até 1º de novembro de 2023.
Resolução BCB n° 282, de 31.12.2022: alteração da Circular nº 3.978, de 23.01.2020
Essa resolução altera de forma menos circunstancial a Circular nº 3.978, de 23 de janeiro de 2020, que trata sobre como evitar crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. A partir de agora, instituições autorizadas que estão inseridas no mercado de câmbio precisam manter registros e guardar documentos importantes e comprobatórios, a fim de ter permissão para realizar as operações neste mercado, de acordo com a sua avaliação interna de risco.